A vida de um cantor, músico, compositor e comediante como pouco se viu no cenário cultural brasileiro, em um documentário leve, repleto de samba e riso.
Antônio Carlos Bernardes Gomes foi um homem de muitas faces, todas elas criativas, focadas no talento do corpo sobre o qual pertenciam. Nascido em berço nada esplêndido, ele precisou provar para um país mal acostumado que o negro tinha o seu lugar na arte, sim, pois o teatro, a música, a televisão e o cinema custavam a aprender a distinguir suas obras da realidade. Por isso, o sorriso deste homem faz do documentário “Mussum – Um Filme do Cacildis” uma experiência nostálgica e aterradora.
O carisma de Antônio Carlos o tornou alguém muito bem visto. Seu charme estava presente em sua voz, que acompanhava o olhar igualmente risonho. Na arte, primeiro encontrou seu espaço no que foi sua grande paixão, o samba. Participou de programas de rádio e de televisão, conquistando produtores e espectadores com seu jeito bem-humorado, cujo palavreado era alterado no final de cada frase. Assim, a figura do músico se mesclou ao jeito malandro de quem se tornava cada vez mais presente na mídia.
Nos longínquos anos 60, Antônio Carlos tirou do sério ninguém menos do que Grande Otelo, o que resultou em seu novo apelido: Mussum – originário de muçum, uma espécie de peixe-cobra que habita águas e terras brasileiras. Inicialmente, Antônio Carlos não gostou, mas como poderia negar a brasilidade cômica de seu apelido se ele mesmo continua tais características em grande quantidade? Pois, bem, Mussum nascia para o mundo.
Com Renato Aragão, Dedé Santana e Zacarias ele formou o que mais tarde seria chamado de “Os Trapalhões”, uma trupe formada, como o próprio Renato denominou, por “um nordestino, um galã de periferia, um mineirinho e um malandro do morro. Tudo o que representava o Brasil naquela época”. Com o tempo vieram novos contratos, sucessos estrondosos e diversos filmes que entraram para a lista dos mais assistidos do cinema nacional. O talento de Mussum continuava a caminhar, lado a lado, entre a música e a comédia.
Muito de sua história foi narrada neste documentário, dirigido por Susanna Lira, com diversos depoimentos de familiares, amigos e colegas de trabalho, cujo carinho se estende na voz e nos olhos marejados de todos eles. A saudade pelo personagem Mussum até hoje faz parte do imaginário brasileiro, mesmo após vinte e cinco anos de sua morte. Por isso, o documentário é um presente aos fãs do humor que o comediante fazia e do samba que tanto tocou em seu coração.
Aliás, é aterrador acompanhar o desfecho de uma história já conhecida. Sofrendo de um grave problema do coração, Mussum partiu na mesa de cirurgia, pronto para um transplante que finalmente o deixaria saudável novamente. Por isso, a linearidade desta obra vai deixando um gosto “amarguis” no espectador, com a dor de acompanhar a carreira de alguém que trazia tanta alegria partindo tão de repente.
Os depoimentos de seus filhos, cujo carinho pelo pai se faz presente em cada palavra, são ainda mais tristes quando o espectador conhece o homem por trás de tão belo sorriso. Um homem rígido com os princípios morais, que não suportava levar desaforo para casa, e que, ainda assim, separava a criação de seus filhos com o trabalho musical e cômico que fazia.
Um dos pontos no qual o filme abre um grande questionamento acerca do caráter de Mussum, aliás, é o momento em que o racismo é colocado em cima da mesa. Pois o personagem cômico de Antônio Carlos ouvia ofensas a todo instante no humorístico “Os Trapalhões“, sendo questionado, na própria época, sobre o racismo contido nas palavras dos demais. “Macaco”, “preto feio”, “crioulo” e outros termos eram usados dentro de piadas, as quais sempre encontravam um Mussum alterado, ofendido com o que ouvia, mas sempre pautando em reações cômicas.
Narrado com bom humor por Lázaro Ramos, “Mussum – Um Filme do Cacildis” tem pouco mais de setenta minutos, o que passa rapidamente em uma história tão envolvente. Entre depoimentos de fases de sua vida e gravações coletadas para retratá-la, o ritmo acompanha a cadência de um bom samba de raiz. Com a melodia servindo de pano de fundo às poéticas letras, contando uma história de amor ou de coração partido, como é a sensação do espectador ao final do filme.
Artigo completo: KLIMIUC, Denis Le Senechal. "Mussum – Um Filme do Cacildis (2019): para sempre e forévis". @cinemacomrapadura | 26/ago/2019. Disponível em: <https://cinemacomrapadura.com.br/criticas/557678/critica-mussum-um-filme-do-cacildis-2019-para-sempre-e-forevis/>. Acesso em: 12/out/2022.
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